sábado, agosto 06, 2011

[ In, Anotaçoes e Recortes de Filipa /em Outubro de 2008-Rio de Janeiro.]



_ Possiedo  La Mia Anima _ [*]



   “Apenas a autobiografia é literatura,os romances são a casca,
e ao final chega-se ao caroço,ou eu,ou você” .
                                                             [Virginia Woolf]

Filipa Saanan

Não pretendo aqui o registro de uma resenha de Posseido La Mia Anima ou de Sou Dona de Minha Alma [tradução literal: Eu possuo minha alma], menos ainda desvendar o Segredo de Virginia Woolf, ou declinar sobre suas obras [por entender que as mesmas já devem- ou deveriam ser conhecidas de cada Leitor], mas sim registrar impressões, sentimentos, e principalmente o que em mim se gravou com a leitura deste estudo magnifico de Nádia Fusini, e para tal inicio parafraseando a brilhante autora, com esta invocação:

Ao Leitor, meu semelhante, irmão:



Se você é [ou não] conhecedor da obra de Virginia Woolf, e ainda não leu Posseido  La Mia Anima [original em italiano- primeira indicação] ou sua tradução para o português Sou Dona de Minha Alma, largue tudo que estiver fazendo agora, voe até uma livraria e adquira seu exemplar, não pegue por empréstimo- esta, uma Obra que deve ser só sua. Tente se abrigar no aconchego de uma qualquer quietude, esqueça o lado de fora, coloque-se em estado de entrega plena e absoluta, e só então inicie sua leitura. Ainda que seja tentado a fazê-lo de um só fôlego, resista!

Será uma conversa íntima e visceral com Virgínia Woolf e Nadia Fusini. Jogue a pressa pela janela, comprometa-se com a disciplina , vista-se de um olhar reflexivo, lento e atento sobre cada capítulo. Desarme-se, se entregue, conceda permissão de lágrimas, porque certamente em alguns momentos você deve chorar.

Posseido La Mia Anima- Sou Dona de Minha Alma , não se trata de uma biografia, não se trata de uma análise, mas sim de uma narrativa pautada nos recortes de uma vida- ou de vidas. Fusini, o faz de forma magistral, com a delicadeza de uma prece contrita, tocando leve-porém com profundidade-depoimentos, livros, documentos, cartas, diários, e restaura assim a palavra de Woolf, como quem permeia a sacralidade de intimidades invioláveis e desenha no ar das entrelinhas os dolorosos mistérios de Virginia.

O livro é um pouco como Nadia – fuso, mó e tear: corta, tece e afia, mas que se modula sempre ao tom baixo-pianíssimo, e vai seduzindo o leitor, linha por linha, letra a letra. Escava os sepulcros dos cenários delineados: despeja oferendas de seiva e mel para a multidão de mortos [sedutores e envolventes, quais Perséfone-comparação da Autora] que rondam o imenso poço da escritura de Woolfiana. Nadia  Fusini os mantém longe, porque ela quer ouvir apenas a voz de Virgínia Woolf. E consegue!

Somente Fusini, exímia estudiosa e intérprete maior de Virginia Woolf poderia construir essa reinvenção de sua escrita- relato longo, erudito e envolvente da Vida como aventura da Alma. Através de Nadia falam com inteireza absoluta: seus romances, suas cartas, seus diários, seus fragmentos de memórias, seus duplos-estes, por Virginia nomeados: fantasmas adormecidos, que a habitavam, e que ressurgiam no ato da escrita, fixando-se definitivamente em suas páginas”; nesse mundo de imensa força vital, Nadia é nosso guia pelas trilhas dessa mente criativa onde lutos-lutas e amores perdidos se entrelaçam de forma fundente, vezes ascéticas, vezes orgíacas.

Breves Recortes sobre Virginia Woolf:



Virginia Woolf não era louca, era  sim - melancólica, sofrida  e depressiva. A depressão levou-a até ao fogo, a euforia, ao vermelho pungente. Assim, ela sempre se equilibrou no signo  do perigo e do alarme, transitando entre a lucidez e a dor, experienciadas desde a mais tenra idade. Travou batalhas infindáveis para defender-se das ondas de depressão que a arrastavam como um barco a deriva, lutas inglórias, beirando o impossível.

Woolf padecia na verdade era de faltas, seu mal primevo. Tudo que estava nela é falta, especialmente da vida que os outros possuem: da mãe que lhe assombrou por 30 anos após sua morte, de sua irmã quando ela tinha ciúmes de Vanessa, Vita Sackville-West, "eu estava navegando com todas as velas... no mar”, enquanto” ela correu ao longo da costa”.

Woolf perdeu o amor, que (como dito por Fusini), pertencia aos filhos do primeiro casamento da mãe: ela foi a não - amada, ela foi um não amar a si mesma: qual Kafka era estrangeira de si mesma.

Andrógina, viveu intensamente as relações com as mulheres, por entendê-las mais ricas, quentes e encantadoras do que com homens. Sabia-se um não Ser, sentia um não pertencimento ao habitat que a circundava.

Como Artêmis, ainda que delicada e frágil Woolf era ao mesmo tempo um Ser lunar, irônico, arisco e selvagem, com imensa coragem intelectual. Ela percebeu que os ataques de depressão foram as causas de sua experiência suprema. Entendeu que precisava descer passo a passo para a cova, navegando em águas turbulentas, pisando as profundezas da escuridão. Lá, existiu, lá construiu seu graal: na mulher ou na escritora é sempre ativa em Virginia a magia da metamorfose,  que ora  obscurece ,ora ilumina toda sua existência.

Essa criatura muito frágil, sempre à beira de uma catástrofe, bravamente conseguiu construir uma ordem soberana mental, e nos deixou um legado precioso, mesmo dominada por “- um não Estar em”...

Woolf era maior, como uma estrela de cristal refletindo a purificar todas as luzes.

Feminista, politicamente atuante, colocou sua voz a favor das injustiças sociais, e principalmente em prol do feminino, e nos faz compreender “como a noção vitoriana de feminilidade coincide com a ideia de (e a prática) de mutilação imposta, de uma regressão forçada da Mulher.”.

Em janeiro de 1931, destaca-se seu discurso mais veemente [já o fizera antes- de modo menos intenso] sobre o feminismo, na National Society for Women’s Service: “... é uma raça de exploradores,... uma mulher musicista, uma mulher compositora são realidades ainda por vir...”. No que se referia a sua profissão ,Virginia reconheceu que não podia vangloriar-se de heroísmo; o caminho fora aberto por outras , que antes dela correram o risco do preconceito, da hostilidade, até  do ridículo.

Apesar da humildade ao se se excluir do elenco das pioneiras referidas, tinha as marcas do quanto lhe custara o ato necessário, para tomar o caminho que escolhera trilhar:  matar a mãe dentro de si; segredo retido, antes nunca partilhado.

Nessa feita, “diante de um público de mulheres que lhe ouviam em religioso silêncio vieram-lhe palavras para dizê-lo; aliás, para tornar seu ato executado, ou seja, o matricídio”. [pag.242].

Revela nesse evento, só se tornara escritora porque assassinara sua mãe, matando aquele modelo de mulher bondosa, complacente, generosa e pacificante. Ou seja, rasgara aquela imagem que é a base da hagiografia feminina vitoriana, de “anjo do lar”.

Óbvio que a metáfora do matricídio ressoou nas ouvintes, como ressoa até hoje em muitas de nós.

Percebe-se aqui, dentre outros episódios  de sua existência, o preço da liberdade de uma alma rejeitada, oprimida, e aprisionada até então, por decorrência de abandonos, de perdas afetivas e amorosas vividas por Virginia.

Pagou o seu preço para sair da casca, para chegar ao caroço.

Virginia não era mórbida, foi sim, circundada por muitas mortes de entes queridos, que a levaram a diversas tentativas de suicídio. Procurou o livramento de seus monstros interiores-de suas sombras, para apaziguar-se. Certo dia, narra Fusini, precisamente em 18 de abril de 1939 tenta de todas as formas a exploração daquilo que já vivera , busca agarrar as recordações de seu Eu passado, mas se depara cheia de dúvidas, incerta quanto ao conteúdo de verdade das suas lembranças. A memória é involuntária, o passado não vem quando é chamado. Às vezes sim, vê rostos, - rostos de pessoas, rostos que são imagens de coisas, de sentimentos- mas tudo se dá como influxos de outro mundo. Questiona-se: “Seria possível o senso de realidade depender de um enxame de fantasmas?”.

O senso de passado, disso ela tem certeza, é conservado na imaginação, no coração.
“Mas, quando mora no coração, é real?” Refletia Virginia. Mas o coração que tem no peito não é apenas” Seu”, não é um órgão, é um mundo.

Por esses, e outros turbilhões mentais, Virginia se sentiu inapta para conceber sua autobiografia. Todos os seus fragmentos Woolf derrama em seus romances, o que podemos apurar nas cenas, nos ritmos, no estilo, e muito nas repetições de temas.  

O retrato de uma Virginia pálida, exangue, aristocrática, triste, com um rosto angelical de camafeu, afirma Nadia Fusini é falso. Pautada em testemunhos fidedignos, nos conta de Virginia Woolf como uma mulher espirituosa, critica e que gostava de rir. É um riso que desponta no centro de seu temperamento como um cristal de infância.”

É Virginia quem o diz em seu ensaio sobre Lewis Carrol: “para rir, é preciso saber voltar a ser criança e admirar-se com tudo, e todo dia voltar para o mundo”, como faz Alice no País das Maravilhas. Além disso, ser capaz de inverter tudo, como faz Alice do outro lado do espelho.

O suicídio não reduz a grandeza dessa Mulher, não minimiza a riqueza de seu universo intimo. Virginia é Personagem e é Persona, é História Pulsante, É Vida que merece como tal, ser reverenciada e reconhecida.

Nadia Fusini em seu estudo, também assim admite:

[i] “- se eu tivesse de responder à pergunta – quem é Virginia Woolf: eu diria: uma criatura humana livre, corajosa. E se acabou em becos sem saídas, eram ruas que procurava- muitas das quais deixou abertas para nós.” Pag.412.

Com essa exuberante Mulher, sua incessante luta pela liberdade, sua capacidade de pensamento, aprendemos os significados e os significantes do: Eu Possuo Minha Alma.

[ii] “Para viver é necessária à liberdade religiosa, política, civil, mas no sentido de que todas estas servem para alimentar a liberdade fundamental do ser humano, que é precisamente a capacidade de pensar. Virginia nos ajuda a nos defendermos.”.

Ajudou Fusini.
Ajudou-me!

Nota Final:
Quanto ao Segredo de Virginia, necessário se faz conhecer sua vasta obra, para absorver essa Alma, só assim “Leitor, meu semelhante, irmão”, Você será capaz de descobrir...


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- Possiedo la mia anima. Il segreto di Virginia Woolf-by: Nadia Fusini- Publisher: Mondadori- Publication : 2007



-Fusini, Nadia-Sou Dona de Minha Alma; o segredo de Virginia Woolf-Tradução Karina Jannini – Editora Bertrand-RJ /2010 [420 p]. 

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[ In, Anotaçoes e Recortes de Filipa /em Outubro de 2008-Rio de Janeiro.]


* [Artigo selecionado dos Cadernos de Anotações – de Filipa Saanan [sob forte relutância da mesma-porque desejava revisar], transcrito por mim-Ana Merij, por razões de seu afastamento temporário de Literacia, motivado por cirurgia de grande porte, a que foi submetida].





Nadia Fusini è nata a Orbetello. Si è laureata in Lettere e Filosofia all'Università La Sapienza di Roma nel luglio 1972 con una tesi sul tema dell' iniziazione nella letteratura del Novecento. Dopo un periodo di studi nel campo della letteratura americana negli Stati Uniti presso l' università di Ann Arbor e di Harvard, ha studiato Shakespeare e il teatro elisabettiano presso lo Shakespeare Institute di Birmingham, UK. E' stata, dal 1978 all'82, professore incaricato di Lingua e Letteratura Inglese all'Università di Bari e quindi Ordinario di Lingua e Letteratura Inglese all'Università La Sapienza di Roma. 







4 comentários:

  1. Filipa,desejo que se recupere logo.Receba meu carinho e preces.
    Suas anotações, uma bela aula de leitura.Obrigada,
    Maria Zélia Baeta-BH

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  2. Filipa, que Deus lhe ampare, força e fé.
    Brilho como sempre -excelente seu texto.
    Receba minhas preces, e meu abraço fraterno.
    Maria Elvira-BH

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  3. Ana, excelente ideia de transcrever os textos de Filipa, assim, enquanto ela se recupera-se Deus quiser, estará sempre conosco.
    Bela e forte matéria. Vou correndo comprar o livro.
    Abs, Mara Romeiro-JF

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  4. Obrigada a cada Leitor.
    Obrigada Nana, por seu carinho e apoio amigo, minha querida.
    Bjs, Filipa

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Obrigada, volte sempre!
Filipa Saanan