Filipa Saanan
A palavra corta a tez da paisagem, corta o tempo, cicatrizes que o olhar bem sabe ler. Corta esta dor tão sucessiva, textura de minhas raízes- corta-me!
A palavra quer morrer-se, porém ainda assim escrevo: com as letras de prantos, pelas leiras de minha história. Escrevo para chover-me nessa canção urdida no sal, nessa partitura cerzida com os fios da memória:
-Basta um descuido, e a dor volta a rugir, as unhas roxas, o peito rocha. O Verbo Divino me acontece é nos filamentos dos sustos, nos miolos das teias, nos vãos de abismos. A voz que me sobra, escorrega entre sedes e brumas, bebe o último fôlego nas frestas do caminho. Suga o ar que lhe escapa, mas já nada decifra.
Nas mãos dos mistérios em inversas linhas, minha epigrafe- ferida aberta em busca de abrigo nos relâmpagos: habitar o clarão. Inominado caos a sacudir o não, para se esconder na luz!
As sobras que sou, falecem nos musgos da fé, e o grito transita sucessivamente pelas raízes da carne.
Tudo é metamorfose: infância resgatada.
Outrora, alguma coisa me velava, uma medalha turquesa contra o crepúsculo das trevas, entre o brilho e a espuma arrancava de minhas pupilas litanias escuras. Infatigáveis eram as ternuras e misericórdias, como um rio desaguando perpétuos inicios.
Nada aprendi do evangelho das conformidades.
Quem se conformará?
Quisera rasgar o chão, esticar um mundo branco de açúcar fininho, aquecer mil voltas nos sopros de outros ventos que nem conheço, mas transfiguro-me calvários e medos, ocos e degredos.
Na morada vazia, lamentos extremados costuram sumidouros e cruzes no céu da boca, fende todos os cômodos de meu corpo, como cimitarra cavada em cada osso. Rasga as veias, estreita a alma que ficou trancada no porão até envelhecer-me.
Porque o meu coração não dorme, enquanto Deus entranhado de outonos cochila dentre as aléias de juncos, tento roubar-lhe a justeza das coisas.
Mas, invadir eternidades, não é raso.
Estou a falar de amor e do Pai, ambos mortos.
O anúncio de possibilidades é fraude, nada se cumprirá: amarga claridade.
Este silêncio que agora se faz, é definitiva dissolução gritando fim em meus ouvidos, é ogiva nuclear da linguagem a queimar obviedades dolorosas desta dor inominada que me puxa pelos cabelos, e me explode em milhões de átomos desolados de eternidades.
Mas, teu nome- pedra angular, vértice do amor sem gravidade, como esquecer?
Não é preciso acender o candeeiro para te ver!
julho/1986-pag. 22
FILIPA, LEMBREI TANTO DE MEU PAI, QUE LI EM LÁGRIMAS ESTE SEU TEXTO- DOR-POESIA-AMOR.
ResponderExcluirABS, MARIA ZÉLIA BAETA-BH
Bela escrita! Uma prosa autobiográfica,parece-me, dor em lirismo.
ResponderExcluirLuzia Bastos-RJ
Filipa, com certeza o Domingo é melhor com Vc. Gostava de escrever cada palavra aqui registrada, cada linha...perdi meu Pai em maio, e Vc. descreve a minha dor.
ResponderExcluirSOUBESSE, ESTAS SERIAM PALAVRAS MINHAS!
Obrigada por compartilhar sua tão delicada escrita.
Alda Barros-Lisboa[ mas sou de SP]
Filipa, um texto comovente .
ResponderExcluirObrigada.
Flora M. Romeiro-SP
Não tenho palavras. Deixe-me chorar. Saudade de pai, essa saudade que aperta meu peito. Meu coração precisa sangrar.....
ResponderExcluirBjs
Belvedere
Obrigada queridas :
ResponderExcluir-Maria Zélia, Luzia,Flora ,Alda e Belvedere, por aqui deixarem suas palavras amigas e pela leitura.Sempre estímulo, sou grata.
Abraços de, Filipa