sábado, maio 14, 2011

Ofício Segundo


Os Falares de Minas




O Mineiro é “ O Linguista das Imagens”
Ou
“Um Fazedor de Metáforas”



[ A língua portuguesa falada em Minas Gerais]

[Mãe Preta-Portinari]

Ma’Induca, me reza...
arranca este espinho fincando cá dentro
Ti rezu sim ,Sá Minina...
É urdidura , é mal de  agonia, é  gastura sem fim
Me benze Ma’Induca, tem dó de mim
Si achegui Sá Minina, qui ti benzu  sim..

[ in, Cantigas para adormecer Filipa-Primeira estrofe/ vol.06-Julho-2009]
Filipa Saanan



 Considerações Iniciais


[Parque Nacional do Caparao]

Não pretendo aqui apresentar uma análise Teórica sobre a Língua Portuguesa falada nas Gerais, todavia para bem demonstrar o universo imagético da linguagem desta área geográfica brasileira, buscarei amparo nos Estudos realizados pelo notável Pesquisador Mario Roberto Zagari (1), um dos maiores especialistas sobre os Falares de Minas.
Como Zagari, e alguns autores favoráveis ao uso do termo “falares” em contraposição a dialeto, esta a denominação que também adoto, ainda que tecnicamente as definições de Dialeto e Falares, não apresentem distinções relevantes.

A conceituação de dialetos ou falares regionais sempre é melhor entendida a partir da definição de língua. Língua pode ser definida como um sistema de oposições funcionais serve de instrumento de comunicação, suporte de pensamento e meio de expressão dos indivíduos de um determinado grupo social. A língua é sempre vista como uma unidade, um todo indivisível. No entanto, esta unidade é composta de infinitas variações – regionais, grupais ou individuais - que podem ser estudadas através dos níveis de analise fonético-fonológico, morfológico, sintático e semântico. Cada língua, ou sistema linguístico, é constituído de subsistemas que apresentam pontos de interseção e de disjunção. Esses subsistemas serão aqui nosso objeto de análise.
Em geral, quando dizemos “quem ele é”, significa “de onde ele vem”. Em muitas comunidades linguísticas no mundo é a região de origem que determina a origem dialetal da língua que um falante emprega. (...)
(...) Entre as grandes áreas dialetais em geral há também um contínuo. Pode haver uma fronteira dialetal mais ou menos clara, onde a ocorrência de um feixe de Isoglossas (linhas que separam uma região, onde se encontra um aspecto gramatical, léxico, fonológico ou fonético, de outra região, que tem um aspecto diferente no mesmo lugar da língua) mostra que existem um grande número de aspectos pelos quais os Falares, por ambos os lados, diferenciam-se uns dos outros, sem que o contínuo seja inteiramente desfeito. (...)
O Falar Mineiro

Para ZÁGARI (1998:1), falares são realizações linguísticas de agrupamentos humanos que podem ser associados a uma pronúncia característica, a um ritmo de fala e a outra definida escolha de um item lexical. Zágari afirma que o termo língua, linguisticamente, é um termo pouco técnico, uma vez que, a distinção entre língua e dialeto não é uma diferença linguística, mas algo que se determina por fatores históricos, políticos, sociais, culturais e, até, religiosos, e declara ser essa uma das razões para a adoção do termo variedade e falares ao invés de língua.
A fala desta região carrega características fáceis de serem percebidas, uma vez que, pode-se identificar um indivíduo como mineiro a partir da sua fala; dentre essas características encontram-se o ritmo, a alta carga imagética da fala [metáforas] e seu aspecto fonético.


“Mineiro não fala... recita”

“Mineiro não conversa... proseia”



Segundo a voz do povo, seria Juscelino Kubitschek  o Autor destas expressões, se fato ou boato, pouco importa a autoria, importa sim, a verdade implícita nas duas assertivas.

A Língua Portuguesa em Minas Gerais


Mineirice, uma Identidade

Zágari, com base em dados fonológicos e lexicais, publica o Esboço de um Atlas linguístico de Minas Gerais (1979). Confirma com sua pesquisa parte das conclusões de Nascentes, porém, Zágari determina a existência de três falares diferentes em Minas Gerais, ao invés de quatro falares, como foi proposto por Nascentes:

(i)           falar baiano: claramente influenciado pelo estado vizinho, Bahia, abrange a região norte de Minas Gerais;
  
(ii)          falar paulista: influenciado também pelo estado vizinho, São Paulo, ocorre no Triângulo Mineiro e região sul de Minas;

(iii)         falar mineiro: é o mais típico falar do estado, uma vez que não apresenta características fonéticas da fala de nativos de estados vizinhos, sendo também o de maior riqueza imagética. Abrange a região formada pela Zona da Mata, Metalúrgica, Vertentes, Belo Horizonte e arredores.

Nosso foco, neste breve artigo quanto o aspecto de regionalidade será o Falar Mineiro da Zona da Mata, Vertentes e Grande Belo Horizonte, sua riqueza poética, seu dialogismo musical, sua riqueza metafórica.

“Já é dia, Pai”?
“Não filha, a amanhã ainda está vacilando, preguiçosa de acordar”.

Percebemos neste exemplo de linguagem coloquial, uma carga imagética que é pura poesia:  
 
[i]... a manhã vacilando

[ii]... preguiçosa de acordar

Podemos afirmar que em Minas, a metáfora está integralmente inserida nos Falares de seu Povo, de forma tão Iintrínseca, que nos Falantes de outras regiões raramente iremos encontrar. 
Natural, portanto, que Escritores, Poetas e Compositores de Minas se destaquem pela mais perfeita inserção de imagens em suas obras, é carga de nascimento, é o sangue das veias, é a madeira do berço a embalar seus caminhos, é pedra das Alterosas gravada para sempre nas suas almas.
É um mar-de- morros, morreando, morreando dentro de cada um de nós.
Em breve adendo , faço aqui um viés para dizer do gosto Mineiro por comer silabas, engole cada uma como se fora néctar dos deuses- herança dos escravos, que o tempo [apesar de sua gana] não conseguiu retirar de nosso cardápio vocabular:
- Um bom exemplo é o pronome "senhor/senhora". Na época do império, notava-se entre os escravos uma tendência a "engolir" sílabas e fonemas, o que transformou esta forma de tratamento usualmente em "sinhô/sinhá", "nhô/nhá" e, por fim, "iô/iá". O mineiro Ary Barroso, em mais de uma música, resgata o termo. A letra de "No tabuleiro da baiana", por exemplo, que ficou famosa na voz de Carmem Miranda, pergunta: “... se eu pedir, você me dá o seu coração / seu amor de iaiá?...". Outras formas para "senhor", até hoje utilizadas com frequência no dia-a-dia mineiro, são "sô" - sá e seu”, esta última, emprestada ao carioca Noel Rosa para o clássico "Conversa de Botequim": 
"Seu garçom faça o favor de me trazer depressa...".

O mineiro típico ainda confirma a propensão, já citada, a engolir ou trocar letras, sílabas e aglutinar palavras. Isso pode ser notado normalmente em expressões do tipo "ocê", "pópegá", "dexovê", "mininu", "chuvenu" e assim por diante. Ninguém se espanta, quando conhece um mineiro que desconsidera o "d" e troca a vogal "o" pelo "u" no gerúndio de verbos, como em "andanu", "falanu", "fazenu" e não pronuncia o "r" no final de verbos no infinitivo, como em "trazê", "pizá" e "tirá". Também é comum desfazerem-se os ditongos formados no meio das palavras, como acontece em "pexe", "faxa", "minero", "temoso", e formarem-se ditongos na sílaba final, quando a vogal é antecedida de "s" ou "z", como em "arroiz", "feiz" e "treis".
Entre as gerações, nota-se outra curiosa ocorrência, também mapeada pela equipe do Prof. Zágari: a substituição do uso do fonema "que", com "u" pronunciado, por "que". Dentre pessoas idosas, ainda se encontram os que pronunciam "qüestão", "quatorze", mas os mais jovens já falam "questão" e "catorze". Este é um fenômeno que já foi comum no passado, na origem latina da língua portuguesa. Onde no latim tínhamos a palavra "quaternu", hoje temos "caderno" no português. Da mesma forma, "nunquam" virou "nunca" e "quassicare", "(des) cascar".
Pelo tom, pela carga imagética, pelo ritmo da fala que um mineiro distingue dos demais Falantes deste imenso Brasil.
O bom uso da sintaxe, a colocação, o uso dos tempos verbais e a concordância, quando se apresentam variáveis- apenas e tão somente na escrita , ocorrem devido mais ao grau de escolaridade e à educação recebida; todavia a Fala não se altera, independente do nível de escolaridade ou academicismo do Mineiro.
Retornemos as metáforas:
Pretendemos aqui uma reflexão sobre a linguagem poética e o processo metafórico. A abordagem teórica se vale principalmente das teses de Paul Ricoeur, no âmbito da fenomenologia hermenêutica, para discutir o discurso poético como percurso de conhecimento. Teoria que de forma ainda não esclarecida [não temos estudos que sobre os quês e porquês de...] não aplicável aos Falares Mineiros, visto que constatado está que o processo metafórico se dá livre de qualquer elaboração ou proposito estético no colóquio Mineiro, como autoreferencialidade:

“Segue rumo das estradas hoje não, Filha... as nuvens tão avisando que vai cair água de pedir adjutório pra Santa Barbara e São Jerônimo”.

Em geral, assim se fala  em Minas... em qualquer outra região do País, dito seria:

“Minha Filha, cuidado com a viagem, parece que vai chover muito.”


[Rezas e Ladainhas nas Vertentes]


Existe uma poética inserida nos Falares Mineiros, que de muitos modos tentou-se explicar tal especificidade-sem lograr êxito, o que resultou como conclusivo, que esta característica na visão dos especialistas se unifica na afirmação de que a poesia é uma atividade especial da linguagem verbal mineira.
  

[Congada nas Festas do Divino]

No folclore mineiro a presença imagética, também é notória e rica, tanto que apropriada por diversos Autores das Gerais, a saber:- Guimarães Rosa, Murilo Mendes, Drummond, Autran Dourado, Adão Ventura, Adélia Prado, Etc’s... bem como por diversos Compositores, tais como Ataulfo Alves, Milton Nascimento, com destaque para Tavinho Moura, que musicou de forma magistral o Cálix Bento [parte dos hinários e ladainhas das Congadas, das Folias de Reis, das Cavalhadas, das Festas do Rosário, e outras tantas mais...]:

  
Cálix Bento


[Folclore Mineiro / Adaptação: Tavinho Moura]

Ó Deus salve o oratório
Ó Deus salve o oratório
Onde Deus fez a morada
Oiá, meu Deus, onde Deus fez a morada, oiá
Onde mora o cálix bento
Onde mora o cálix bento
E a hóstia consagrada
Óiá, meu Deus, e a hóstia consagrada, oiá

De Jessé nasceu a vara
De Jessé nasceu a vara
E da vara nasceu a flor
Oiá, meu Deus, da vara nasceu a flor, oiá
E da flor nasceu Maria
E da flor nasceu Maria
De Maria o Salvador
Oiá, meu Deus, de Maria o Salvador, oiá


Face ao exposto, entendemos procedente afirmar que o Mineiro torna-se assim, sem intento :
- “Um linguista das imagens”.

Vejamos: - no Falar Mineiro, o usuário cotidiano do sistema linguístico- mesmo sem conhecimentos sobre- apropria-se de procedimentos típicos da linguagem literária como, por exemplo, a utilização de diferentes relações fonomorfossintáticas e semânticas que determinam tropos como aliteração, onomatopéia, hipérbato, elipse, anacoluto, antítese, ironia, hipérbole, e metáfora- prioritariamente.
A realidade significante dos Falares Mineiros é um fato: -o domínio do ritmo, da tonicidade, da ressonância ou a contraposição de dessemelhanças em diversos níveis, todos eles elementos da poética que o Mineiro diz, mesmo sem saberes de qualquer Teoria Literária, especialmente em relação ao processo de metaforização, de qual desconhece [a quase totalidade dos Falantes] os elementos de sua constituição e menos ainda mensura a beleza de seus efeitos.
É um sem consciência, que predomina no desenvolvimento deste Falar Criativo, é um sem tento que conduz o complexo mecanismo de processar imagens no seu Linguajar, construindo o que tantos Poetas perseguem na feitura de um Poema [muitas vezes não conseguido] , um inesgotável manancial de belas metáforas.
 Mas, afinal, o que é a metáfora?
A lição de retórica clássica, preocupada com descrição e classificação, explica que a metáfora é um tropo numa relação de similaridade abreviada.
Aristóteles, falando “Da beleza do estilo”, afirma que “De um modo geral, de enigmas bem feitos é possível extrair metáforas apropriadas, porque as metáforas são enigmas velados e nisso se reconhece que a transposição de sentido foi bem sucedida.”. Mais adiante, o filósofo acrescenta que, para elaborar boas metáforas, é necessário guiarmo-nos pela analogia, o que se dá nos Falares Mineiros de um jeito tão escorrido, porém ao mesmo tempo substantivo e singular, é dom conferido- singelo e cristalino, que verte naturalmente do Falar Mineiro, como se fora água de bica.
Ora, se formalmente a metáfora resulta de uma operação de transferência de sentido, funcionalmente ela é tanto um instrumento retórico quanto um instrumento poético, por tal aqui reside o fundamento das minhas certezas, de que:
“O Mineiro é um Fazedor de Metáforas”

Concluo esta prosa com um de meus Poemas, do Livro Ofícios da Memória:

_ o voo de um anjo _ *




a mulher abriu de par em  par a casa inteira 
mandou recado para tocar os sinos de agonia

anunciamentos dos quais a cidade nem carecia
o rojo do vento, o dia lacrimoso, uma nuvem azulosa
já tudo  dizia- morrera um anjo na ladeira vizinha

foi assim:
menina tinhosa,descalça nas ruas pegou mal de ferrugem dos pregos
vacinas para " isso e  vindiços" tinha é não,  lamentosa a mãe dizia

o padre chegou, as rezadeiras zuniam ,se fez romaria
vestida de branco, solidéu de jasmins, dormir parecia

sofismei nas tristezas, vergada de susto:
a menina subia para a escuridão, ia morar na casa do medo
- das ruindades da vida , aprendi no cortejo!


[ in, Ofícios da Memória- vol 3- Dezembro- 2001]
Filipa Saanan





__________________________________________________________________
TEIXEIRA, Jose da Aparecida. O falar Mineiro. Revista do Arquivo Municipal. nº 45. Ribeirão Preto, 1938. p 8-9
ZÁGARI, Mario Roberto L. Os falares mineiros: esboço de um Atlas linguístico de Minas Gerais. IN: AGUILERA (org). A geolinguística no Brasil: caminhos e perspectivas. Londrina: Editora UEL, 1998. p 32-33
__________________________________________________________________

Mário Roberto Zágari, professor e pesquisador do Departamento de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Doutor em Linguística e Filologia Românica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

7 comentários:

  1. Quanta delicadeza!
    Trem bão demais, Sá!
    Morreando ...pelos mares de morros, só mineiro sabe. Lindo!!!
    Alda Benevute Lima-JF

    ResponderExcluir
  2. Muto boa a Coluna, interessante a forma de demonstrar os falares mineiros. Adoro Minas e sua gente.
    Ao ler o artigo, me senti na serra do Caparao, naquele Hotel delicioso...fogão de lenha,e o carinho do povo mineiro.
    Rita Barreiros de Gama Fialho-SP

    ResponderExcluir
  3. Impecável o ARTIGO!
    O Poema é lindo, terno e manso, como é o Povo Mineiro, como Você , minha querida.
    Parabéns Filipa, que bom poder reler suas obras-primas!
    Abs do Amigo de sempre:
    João Robero Padilha de Almada-RJ

    ResponderExcluir
  4. Orgulho-me da minha mineirice, inda mais lendo sua linda página,Obrigada e inté que eu "levouindo "
    Beijos
    Elane Tomich

    ResponderExcluir
  5. Caros Novos e Velhos Amigos:
    Não me dou bem com estes mecanismos do Blog, motivo de não ter ainda aparecido aqui para dizer a cada um: Obrigada pela leitura ,muito obrigada por cada palavra de estímulo.
    Abraços de Filipa

    ResponderExcluir
  6. Filipa,
    De minha mineirice fiquei chique e toda prosa,
    me senti até cor-de-rosa, lendo, agora, a sua prosa!
    Parabéns,
    tudo lindo como Minas Gerais,
    eta, terra boa,
    mas isso aqui tá um "doce d'ocê"!
    beijos,
    Eliana Crivellari-BH-MG

    ResponderExcluir
  7. Eliana, sem decidir ainda sobre que tema trataria na semana posterior, entendi por abordar os Falares Mineiros, que de alguma forma é base para minha crítica ao livro de Heloisa Ramos, ao Governo e ao MEC. Veja bem, os Falares Regionais, Dialetos e Sotaques deste nosso imenso Brasil – não abonam a Educação pelo erro.
    Gosto do jeito mineiro de ser e de falar, rico em imagética, musical , e singular.
    Esta a razão que me motivou. O que não significa que o Mineiro fale errado escreva errado, prova está nos números do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)- do próprio MEC, enquanto a Nota Brasil apurada foi de 4.6, a do sudeste 5.3, Minas desponta com 5.6.[que para mim, ainda é pouco], fazendo frente a SP – com 5,4, e RJ-com 4.7.
    E pasme, a meta nacional estipulada pelo MEC É DE 4.2, o que mais uma vez demonstra que este Governo quer ei insiste em nivelar o Ensino por baixo. Deveria sim estipular como meta Brasil o 10, e oferecer condições básicas para que todos os Estados Brasileiros pelo menos se aproximassem da mesma.
    Minha cara, voltando ao seu comentário, repondo-lhe:- Mineirice é um Estado de ser no mundo, é um jeito único escrever a Vida.
    Obrigada por sua carinhosa leitura.
    Um beijo de,
    Filipa

    ResponderExcluir

Obrigada, volte sempre!
Filipa Saanan